Tradicionalmente costumamos ouvir a definição de que a geodésia é a ciência que estuda a forma e a dimensão da Terra. Definição essa que logo remete o nosso pensamento a um patamar científico e distante do nosso dia-a-dia. Vinculado a este ideário está também a noção dos referencias geodésicos; tema que a grande maioria de profissionais, ao se confrontarem, ficam apreensivos, e muitos chegam a pensar que o rigor com que se trata esse tema em todos os seus aspectos, é uma necessidade somente para cientistas.
Esse rigor tem uma razão de ser; por um lado existe a necessidade de manter-se a confiabilidade dos dados para embasamento de estudos diversos, controlando-se a propagação de erros; por outro há uma certa evolução decorrente do próprio refinamento dos sistemas geodésicos – a disponibilidade de dados precisos conduz a melhores soluções, que rompem antigas barreiras, e as novas questões demandarão outros dados com maior qualidade.
Tome-se, por exemplo, a aplicação do GPS na navegação: no princípio ficamos maravilhados com a facilidade de obtermos a posição com uma centena de metros, atualmente isso passou a ser normal e corriqueiro e vislumbramos soluções que demandam sistemas diferenciais, mais precisos, e que literalmente levam barcos a atracarem em pontos específicos, adicionando mais segurança à operação e imprimindo maior eficiência no embarque de veículos, por exemplo. Como poderíamos fazê-lo sem contar com um referencial geodésico único e preciso.
A geodésia moderna não consiste unicamente em uma ciência, de interesse do cientista que estuda a forma e dimensão da Terra. Ela é uma ciência que continua a fomentar várias outras, com preciosos dados, mas modernamente, e cada vez mais, ela procura suprir uma necessidade prática e básica da sociedade: conhecer a localização de recursos, de rotas que a eles conduzem, e delinear possessões territoriais entre os países vizinhos, entre Estados, Municípios e propriedades imóveis. Necessidades cuja origem se perdem no tempo. A resposta para elas residem nos levantamentos e mapas, há milênios; os quais apoiam-se em referenciais geodésicos.
Este apoio é proporcionado com os marcos, os quais possuem valores de posição (latitude, longitude e altitude) determinados com adequada precisão, protegidos por leis específicas como qualquer patrimônio público e que materializam o referencial geodésico para todos. A construção e gestão do sistema são próprias da União e definidas na Constituição.
Temos marcos que materializam valores mais acurados, destinados a estudos científicos, à manutenção do sistema, etc, e menos acurados empregados para levantamentos locais (numa projeção topográfica ou não).
Aqui podemos fazer uma ressalva e lembrar que o termo topográfico, não é sinônimo de baixa precisão, e sim do tipo de projeção e da área de abrangência do sistema de coordenadas; basta lembrar que os levantamentos topográficos empregados em locações industriais que têm rigor milimétrico.
Verifica-se, o uso do termo topográfico para classificar os equipamentos que operam no método DGPS porque atingem precisões tipicamente na casa do metro. Eles não são topográficos, são geodésicos, determinam coordenadas geodésicas. Se prevalecer este raciocínio deveríamos chamar também os equipamentos GPS RTK (Real Time Kinematics) de topográficos, pois esses equipamentos que operam principalmente com observações de fase da portadora e conduzem a precisões centimétricas, possuem funções para gerar um plano topográfico, disponibilizando coordenadas nesta projeção.
Retornando à questão dos referenciais, podemos ficar certos que daqui por diante a sociedade estará cada vez mais dependente deles, vide GPS, GLONASS e GALILEO. Acho oportuno citar aqui, mais uma vez, um trecho de Parkinson, In Global Positioning System: Teory and Applications. Progress in astronautics and aeronautics (1996): "… Pode-se imaginar o mundo do século XXI recoberto por uma expansão do sistema GPS interligado por comunicação móvel digital nos quais aviões e outros veículos viajam através de "túneis virtuais", vias imaginárias através do espaço, que são continuamente otimizadas para o clima, o tráfego e outras condições. Veículos robóticos realizam todo tipo de funções de construções, transportes, minerações e movimentos de terra, trabalhando dia e noite sem necessidade de descanso. Navegadores pessoais de baixo custo serão tão comuns como calculadoras de mão e todo telefone celular e comunicador pessoal incluirá um navegador GPS. …"
Esse cenário não está longe, pelo contrário, a tecnologia para as várias situações já esta aí. Podem ser adquiridos com GPS embarcado: carros; relógio de pulso; celulares; tratores de terraplenagem, entre outros. As estações de operação contínua já existem no Brasil e estão evoluindo.
Agora perguntamos: face a esse quadro, o que poderá ocorrer se não tivermos os recursos, as rotas, os limites, os projetos e demais informações espaciais, adequadamente vinculadas a um referencial geodésico consistente, rigorosamente administrado por um Órgão gestor e respeitado pelos usuários?
Certa vez, quando cursava o primeiro grau, a professora demonstrou uma experiência com a classe: disse uma frase para um aluno num extremo da classe e pediu que ele repetisse ao aluno seguinte e esse para o próximo, chegando finalmente ao outro extremo da classe. O último aluno repetiu aquilo que ouviu em voz alta para toda a classe. Para surpresa de todos as duas frases eram diferentes.
Semelhante situação perceberemos em levantamentos e mapeamentos apoiados em pontos geodésicos não oficiais e naqueles que não respeitem as normas. O impacto disso já sentimos nos dias de hoje, em obras de engenharia e nos GIS, somente para citar dois exemplos.
O Sistema Geodésico Brasileiro está passando por uma transformação, teremos um novo Datum, alinhado com as necessidades contemporâneas. O IBGE, Órgão gestor, vem conduzindo estudos e realizando debates por todo o País, é uma necessidade e uma evolução. Todos nós que produzimos e consumimos dados georreferenciados devemos acompanhar e manter-nos informados, mas sobretudo devemos respeitar suas diretrizes e normalizações.
Fonte: MUNDO GEO
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